O início da vacinação contra o coronavírus (covid-19) no Brasil deu um sinal de ânimo para a população. No entanto, os espetáculos promovidos por autoridades políticas escondem problemas graves, como a falta de vacinas suficientes até mesmo para os grupos considerados prioritários no país.
E nesse sentido, é fundamental localizar o debate da vacinação no contexto da crise do capital e da crise sanitária que assolam o país, com a pandemia da covid-19, conforme explica a coordenadora da Comissão de Seguridade Social do CFESS, Elaine Pelaez. “A desigualdade social e todas as contradições desta sociedade se expressam nesse momento inicial de vacinação, por vezes transformado em espetáculo por governos historicamente pouco preocupados e nada compromissados com os direitos de negras/os e indígenas, mas que se apressaram em publicizar a sua vacinação”, critica a conselheira.
O CFESS, recentemente, aderiu à campanha “Abrace a Vacina”, promovida pelos Direitos Já! Fórum pela Democracia e pela Frente pela Vida, que já conta com a adesão de mais de 200 entidades, na luta e pressão no governo federal pela vacinação ampla da população e contra a desinformação (fake news) e o negacionismo antivacina. Na última sexta-feira, também as entidades do Conjunto CFESS-CRESS se reuniram para debater os desafios na luta em defesa do SUS e da vacinação na pandemia.
Por isso, em entrevista especial com a conselheira Elaine Pelaez, o CFESS traz o assunto para um diálogo direto e objetivo com a categoria, tornando nítido o posicionamento do Conselho Federal e outras ações que vêm promovendo em defesa da vacinação para todo o país. Confira abaixo!
1) De que forma o CFESS defende que ocorra o plano de imunização da população brasileira contra a covid-19?
Elaine Pelaez – Defendemos a imediata efetivação de ações coordenadas nacionalmente e a articulação federativa com estados e municípios para a vacinação de todas/os através do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja capacidade operacional é historicamente exemplar em campanhas nacionais de vacinação. A compra de um maior quantitativo de vacinas e insumos, a ampliação e aceleração da implementação do plano de vacinação são centrais para a real imunização da população.
A realidade tem mostrado que o quantitativo de vacinas disponível é insuficiente para a cobertura vacinal da totalidade da população e sequer responde às necessidades de imunização de trabalhadoras/es de saúde que atuam no enfrentamento da covid-19 ou de outros serviços essenciais. Tem-se um quadro de insuficiência de vacinas e insumos, que é parte de um projeto de governo de não enfrentamento da pandemia, que também se expressa na interrupção do auxílio emergencial e na inexistência de renda básica.
Em um contexto de desproteção social e desejo de preservação das vidas de todas/os, o início do processo de vacinação é permeado pela esperança do retorno ao convívio social e das relações cotidianas com segurança, afeto e proximidade. A emoção, as expectativas de imunização e a requisição de que grupos e pessoas sejam elencados entre as prioridades são legítimas e compreensíveis. Afinal, a vacina expressa também o êxito da ciência em instituições públicas, o clamor e a luta popular pelo direito à saúde e à vida, em meio a todas as contradições que explicita.
2) Como o CFESS tem se articulado, para cobrar e reivindicar do governo maior rapidez e organização na vacinação de toda a população?
Elaine Pelaez – Compreendemos que a demanda por vacina é expressão das demandas por saúde e condições de vida da população. Nesse sentido, a reivindicação pela vacinação efetiva e imediata de todas/os ocorre pela compreensão da vacina como direito e pela articulação com sujeitos e espaços coletivos de formulação e luta por políticas sociais. O CFESS tem se somado às lutas e contribuído nas mobilizações no Conselho Nacional de Saúde (CNS), que culminaram com a aprovação da Recomendação nº 73 de 22/12/2020, em que solicita ao Ministério da Saúde a ampliação do Plano Nacional de Vacinação, e na nota em que reforça a necessidade de vacinação imediata e ampla contra a covid-19. O Conselho Federal se inseriu também nas ações da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em defesa do SUS e da vacinação para todas/os.
Além disso, no dia 29/1/2021, realizamos reunião das entidades do Conjunto CFESS-CRESS, para dialogar sobre as necessidades, ações e estratégias na luta pela vacinação, considerando as realidades estaduais, regional e nacional. Os CRESS têm travado lutas importantes em defesa da seguridade social, do SUS e da vacinação, em articulação com movimentos sociais e sindicais, conselhos de políticas e direitos, fóruns e frentes de lutas nos diversos estados. Pensamos algumas estratégias coletivas para intensificar as defesas das pautas do Conjunto CFESS-CRESS.
A luta pela vacina se articula às lutas por direitos e políticas sociais, que vêm sendo travadas pelo Conjunto, pela Frente Nacional contra a Privatização da Saúde e outros movimentos comprometidos com a classe trabalhadora. Porque a vacina por si só, isoladamente, não é o que enfrenta a pandemia e, menos ainda, a crise do capital que antecede essa crise sanitária. Precisamos incidir pela alteração das relações sociais pautadas na desigualdade social e na exploração do trabalho, e para mudar a correlação de forças que permite que o governo federal aprofunde tal exploração, acelere a retirada de direitos e a destruição do sistema de proteção social brasileiro. Nesse caminho, cotidianamente, lutar pelos SUS e pelo Suas, por renda básica, pelo acesso ao BPC/Loas e ao auxílio-doença, por trabalho com direitos e pela ampliação de direitos assistenciais e previdenciários, por segurança alimentar, por educação pública, por cultura, pelo direito à terra e à moradia. Lutar contra os males do capitalismo, o racismo, o machismo e o patriarcado.
Para nós, o processo de vacinação é um momento importante de diálogo, de explicitação das contradições da sociedade, de denúncia sobre as políticas que retiram direitos e não enfrentam a pandemia. De construção de resistências e defesa das nossas bandeiras de luta e princípios ético-políticos enquanto classe e profissionais trabalhadoras/es. Ao reivindicar a vacinação, temos que apontar que, para o capital e para este governo, a não vacinação é um instrumento de sua política genocida, de perpetuação da desigualdade social e da perversa diferenciação cotidiana da população por classe, raça, cor, sexualidade, gênero.
3) O CFESS defende que assistentes sociais estejam em grupos prioritários de vacinação?
Elaine Pelaez – O CFESS defende a vacinação de toda a população e certamente de assistentes sociais e demais trabalhadoras/es. É inegável que, em diversos espaços ocupacionais, assistentes sociais estão presentes diariamente, prestando atendimento à população, e se situam no campo das/os trabalhadoras/es de serviços essenciais, ao lado de trabalhadoras/es da faxina, motoristas de coletivos, metroviários/as, garis, caixas de supermercado, atendentes de farmácia, enfermeiras/os, técnicas/os de enfermagem, técnicas e técnicos-administrativos, fisioterapeutas, médicas/os e muitas/os outras/os trabalhadoras/es.
Sabemos também que, para além dos serviços estabelecidos pelos governos, existem diversos serviços e atividades que são essenciais para a sobrevivência da população e não podem deixar de ser realizados, em uma sociedade que não garante renda básica e não possui uma política de proteção social à altura das necessidades explicitadas nessa pandemia. Precisamos ter em mente as atividades realizadas por trabalhadoras/es informais e precarizadas/os, a exemplo de camelôs, entregadores/as, motoristas de aplicativos, diaristas, pescadoras/es, artesãs/ãos, catadores/as de materiais recicláveis, cooperativados/as, agricultores/as e muitas/os que também estão expostas/os diariamente à contaminação e outras intempéries, na medida em que não existe escolha real, quando se fala em decidir entre se arriscar a morrer por covid ou morrer de fome.
No mesmo sentido, ao pensar em exposição diária e necessidades específicas de reprodução da vida, precisamos ter atenção à grande parte da população que é mais suscetível a casos graves de covid-19 e historicamente vivencia de modo perverso a desigualdade social, as opressões, os preconceitos e tantas outras violações de direitos, como pessoas em situação de rua, pessoas com deficiência, pessoas com patologias, negras/os, indígenas, quilombolas, mulheres, LGBTQIs, idosas/os. Para nós, nenhum destes sujeitos pode estar fora do processo de vacinação.
Pensar o acesso à vacina é defender o acesso dessas trabalhadoras e trabalhadores. Não há como defender que um/a fique de fora. Em uma sociedade tão cruel, desigual e restritiva de direitos, a prioridade só pode ser pensada de modo amplo e no caminhar acelerado para o encontro com a universalidade e a solidariedade social e de classe. A prioridade para nós é a vacinação de toda a população imediatamente, em um processo real e efetivo de vacinação!
4) Por que a defesa da vacinação para todas/os também é uma pauta do Serviço Social?
Elaine Pelaez – A defesa dos direitos e de políticas sociais universais é historicamente uma pauta de assistentes sociais e um compromisso ético. E a vacina é um direito! Direito à vida, à proteção, à solidariedade. Vacina significa o direito de não ter medo de sair para trabalhar e morrer. Significa poder abraçar quem amamos, conviver em comunidade e tomar as ruas em marchas e mobilizações massivas por direitos e por uma sociedade mais justa, em que os bens, a riqueza, os frutos do nosso trabalho sejam coletivizados. Todas e todos tem esses direitos. A vacina, como direito e bem coletivo, não pode ter seu acesso mediado pelo pagamento, pelo mercado, por mérito ou corporação profissional. É fundamental pensar nos valores e princípios éticos que sustentam as nossas defesas e decisões sobre a vacinação e o seu alcance social.
Reveja a nota do CFESS: Sou assistente social, defendo a vacinação pelo SUS para toda a população!