Femenagem* do CRESS/SP à companheira de luta e de afeto, Andrea Almeida Torres

 

É com grande pesar que a Direção Estadual do CRESS/SP, Gestão “Trilhando a luta, com consciência de classe”, se manifesta sobre o falecimento da companheira de lutas e ex-Conselheira Estadual deste Conselho (gestão 2011-2014), a assistente social Andrea Almeida Torres.

Andrea tinha 50 anos e faleceu em 31 de agosto de 2019, em decorrência de complicações hospitalares no trato de intercorrências oriundas de seu delicado quadro de saúde e manutenção de transplante de fígado, que realizou com êxito, há 12 anos. Era vice-coordenadora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo (curso que compunha como docente há 09 anos), docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da UNIFESP, coordenadora do grupo de estudos, pesquisa e extensão em sociedade punitiva, justiça criminal e direitos humanos (GEPEX-DH) e referência na profissão na área de sistema prisional-penal, criminologia crítica,  abolicionismo penal e direitos humanos.

Sua partida precoce se configura em imensa perda para a categoria profissional, principalmente no âmbito do campo sociojurídico, e mais especificamente na luta vinculada ao projeto ético-político do Serviço Social combatendo a implementação do Estado penal e sua lógica punitivista, enquanto política social e seus nefastos desdobramentos como o encarceramento em massa, a criminalização da questão social e dos movimentos sociais e correlatas condições de aviltamento dos Direitos Humanos. Em consequência, lutou contra a implicação de assistentes sociais e psicólogos/as em atribuições e funções institucionais que legitimam esta política de Estado, sendo a convalidação de vínculos, o exame criminológico e outras funções que remetem a práticas de segurança e disciplina, estranhas às competências e atribuições legais da profissão.

Sua trajetória data da militância, na sua juventude, na Pastoral Carcerária da capital de São Paulo. Tal vivência de defesa de direitos a trouxe para a profissão e enraizou sua obra acadêmica e de luta desde a graduação em Serviço Social na PUC/SP (1995) conjugando várias atividades da militância em Direitos Humanos com o seu desenvolvimento acadêmico, na mesma casa.

Lá, também, pesquisou o punitivismo e o encarceramento em massa no país durante a ditadura cívico-militar, a partir de experiências significativas do Serviço Social entre os anos de 1978 a 1983 em uma Penitenciária Feminina da Capital Paulista. Esta foi sua tese de doutorado, defendida em 2005.

Integrou o NEPEDH (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ética Direitos Humanos da PUC/SP) desde sua formação, quando este ainda era um grupo de pesquisa, em 1998. Segundo o reconhecimento do próprio núcleo, teve participação fundamental na consolidação deste e no desenvolvimento das primeiras pesquisas. Juntamente com os demais pesquisadores do NEPEDH esteve no Fórum Social Mundial, em 2001, e logo em seguida participou de grupo de pesquisa que foi à Sevilha (Espanha) para aprofundar estudos sobre os Direitos Humanos por intermédio dos estudos e pesquisas do Núcleo.

Estudiosa do tema, nunca se distanciou de realizar ações junto ao sistema prisional. Sempre se posicionou pelo abolicionismo, mas entendia que enquanto as cadeias existissem, era necessário lutar pelos direitos humanos. Foi assim, que coordenou a implantação do Projeto “Clareou” em 2003, numa parceria entre o Ministério da Justiça e a FUNAP para atendimento dos egressos do sistema prisional.

Na docência, passou pela Universidade de Santo Amaro (UNISA), pelas faculdades Santa Marcelina (FASM), Faculdades Mauá (FAMA), Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) entre outras instituições responsáveis pela formação de assistentes sociais, foi professora dedicada, que se tornava facilmente referência para suas/seus estudantes que neste momento têm expressado fortemente seu afeto por ela com lindas homenagens em suas redes sociais.

Integrou o Grupo Temático de Pesquisa – GTP Ética e Direitos Humanos da ABEPSS, recebendo também congratulações e reconhecimentos desta entidade por sua militância e contribuição à área do Serviço Social. Pesquisadora obstinada, que buscou desvendar o sistema prisional na defesa do fim das prisões, de uma sociedade verdadeiramente justa e livre. Tornou-se referência sobre o tema dentro e fora do Serviço Social, criando o GEPEX-DH na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP.

Criado em 2011, o GEPEX-DH desencadeou uma série de ações de pesquisa e extensão junto ao corpo discente e docente da UNIFESP, resultando em atividades como o Projeto Cinema e Direitos Humanos e o programa de rádio Direitos Humanos em Debate, apresentado e transmitido semanalmente via internet na Rádio Silva, uma web rádio da UNIFESP/BS. O Grupo também era aberto à comunidade e demais instituições de ensino superior, proporcionando a oportunidade de que pesquisadores iniciantes tenham contato com as metodologias de pesquisa, atendendo a centenas de pessoas nestes seus 8 anos de existência.

Sua contribuição à categoria, via CRESS/SP, foi fundamental para o adensamento das direções no debate e lutas acerca do sistema penal e suas interfaces com o Serviço Social, a riqueza da multiplicação de várias etapas do Curso Ética em Movimento, bem como no aprimoramento político-jurídico da Comissão Permanente de Ética, com a qual colaborou como membro de base até 2017.

Sua larga trajetória de luta pelos direitos humanos e contra todo e qualquer tipo de opressão se deu em diferentes frentes, como expressamos aqui: a docência, a militância, a organização política, a pesquisa, o trabalho profissional. Em todos essa frentes a mesma marca: resistência e afeto! Assim era Andrea, uma guerreira afetuosa e livre. Sua luta se traduzia coerentemente em suas ações generosas e alegres junto à todas/os que a cercavam.

Uniu a tudo isso, sua paixão pela música e arte, tocando seu pandeiro (e demais instrumentos de percussão) em vários momentos de luta e de afeto, e participando ativamente de movimentos culturais na cidade de Santos, onde trabalhava há 09 anos e havia decidido lá viver tendo se mudado definitivamente há 1 mês. Queria estar perto do mar…

A dor da perda desta guerreira só não é maior do que a chama que ela acendeu e nos deixou, iluminando a certeza de que é na vida concreta, no momento presente da vivência histórica e ontológica do ser social, que se dão todas as condições para a supressão das opressões de classe, raça/etnia, orientação sexual, identidade de gênero e condição física que fundam os impedimentos para a emancipação humana.

E ela tinha a certeza de que essas condições não demandam outra exigência, senão a destruição do capitalismo e a implantação de outra ordem societária: o socialismo!

Sua presença e seu legado permanecerão vivos em nossas mentes, em nossas ações e em nossos corações.

Então, com sua doce memória, seguimos a trilha da luta até a vitória!

Andrea Torres, presente!

Direção Estadual

Conselho Regional de Serviço Social – 9º Região/SP

Gestão  – “Ampliações – Trilhando a luta, com consciência de classe” (2017/2020)

Colaboraram nesta femenagem* os/as assistentes sociais: Priscila Fernanda Gonçalves Cardoso, Adeildo Vila Nova e Bruno Karam.

*Adotamos o termo femenagem para valorizar a dimensão de gênero e romper com a lógica machista também na nossa linguagem.

 

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