Evento histórico do CRESS-SP fortalece a luta das trabalhadoras

Live em alusão ao Dia do/a Assistente Social apontou a necessidade de união da categoria na busca por saídas coletivas em defesa da vida das mulheres. Participações memoráveis de Eliana Pereira e Telma Gurgel marcaram o debate  

 

A live estadual realizada pelo CRESS-SP no dia 30 de maio concluiu a programação do Conselho em torno do Dia da/o Assistente Social com a pujança que demarca o Projeto Ético-Político e a trajetória do Serviço Social no Brasil, uma profissão construída e composta majoritariamente por mulheres. O evento teve como tema “Trabalhadoras do Brasil: somos e lutamos com elas”, o mesmo da campanha nacional do Conjunto CFESS-CRESS para o 15 de maio deste ano, e rendeu um debate considerado já histórico, conclamando a categoria a se unir como classe, como conjunto de trabalhadoras e trabalhadores, como mulheres e com todas as mulheres, maioria, também, nos atendimentos desenvolvidos nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais.

 

O número de visualizações do evento no canal do Conselho no YouTube segue crescendo, legitimando a relevância das reflexões promovidas no encontro virtual de segunda-feira, que reuniu dezenas de profissionais e contou com as participações, em vídeos gravados especialmente para o evento, de Bete Borges, Presidenta do CFESS, e de representantes da ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) e da ENESSO (Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social), além das apresentações, ao vivo, de Eliana Pereira e Telma Gurgel, grandes nomes do Serviço Social brasileiro.

 

Na fala de abertura, Patrícia Maria da Silva, Diretora Estadual do CRESS-SP, conduzindo os trabalhos da noite, salientou a intensidade, a densidade e a potência da discussão proposta pelo tema do Dia da/o Assistente Social 2022, buscando fomentar reflexões e ações necessárias, especialmente quando o cenário da pandemia da COVID-19 deixa nítidas as desigualdades presentes na nossa sociedade, com impactos negativos ainda mais profundos na vida das mulheres brasileiras. “Que este não seja apenas um debate de campanha de gestão, mas que sejam discussões e reflexões também presentes na nossa atuação profissional, que a gente olhe teórica, técnica e afetivamente para a população, para a classe que a gente está atendendo. Nesse sentido, essa campanha traz para o cerne do debate a presença das trabalhadoras, e de que forma elas, mulheres, sobretudo, estão inseridas nesse contexto social. É um dever e um compromisso nosso, enquanto assistentes sociais, nos implicarmos nesse debate, nessa luta”, destacou em sua fala.

 

As apresentações de Eliana Pereira, assistente social, pesquisadora e militante feminista, e Telma Gurgel, assistente social aposentada, liderança feminista, autora e referência na área, foram marcantes, e suas falas, poderosas, enfatizando ainda mais a urgência de se promover a união e a mudança da ordem societária em favor das lutas das mulheres. “O feminismo é revolução porque não se transforma a vida das mulheres sem mudar a estrutura da sociedade”, lembrou e defendeu Telma. “Somos uma profissão que não por acaso é formada por uma maioria feminina. O gênero é uma determinação extremamente importante da nossa profissão”, considerou Eliana.

 

Problematizações necessárias e ênfase na realidade

Eliana Pereira partiu da problematização da gênese da profissão e sua matriz conservadora para tratar de importantes aspectos diretamente ligados à atuação das e dos assistentes sociais nas lutas das mulheres no Brasil, entre eles, a relação da desvalorização do Serviço Social e da subalternização do trabalho na área com o estigma feminino e as desigualdades de gênero no país. “O trabalho feminino carrega essa extensão do que seriam as obrigações do trabalho doméstico, do trabalho das mulheres, dos instintos femininos, como se o cuidado fosse ‘o trabalho por amor’, e, por isso, não há necessidade de ser bem remunerado”, observou Eliana.

 

Entre os elementos da questão de gênero que atravessam até hoje a profissão, a subalternização aparece na ideia de que o Serviço Social é um trabalho que pode ser desenvolvido com conhecimento empírico e tecnicista, de que não é preciso ser intelectual ou militante político/a para ser assistente social. “A ideia da subalternização que tem muito a ver com as determinações de gênero sobre a vida das mulheres. O lugar de um trabalho que tem menos valor, e que pode ser repetitivo, empírico, sem grandes reflexões, sem grande contribuição teórica ou produção nesse sentido”, analisou Eliana, para quem há muito o que se comemorar em avanços na proposição e na renovação crítica do Serviço Social em relação ao conservadorismo. “Somos uma profissão de maioria feminina que, a partir da problematização dos elementos da sua própria gênese, construiu uma proposta de profissão que tem como horizonte um projeto político emancipatório”, afirmou. Eliana considera que esse movimento tem muita proximidade com a luta das mulheres, e o gênero, se por um lado sustenta o conservadorismo na profissão, por outro, sustenta a sua práxis política e revolucionária.

 

Outros avanços apontados pela pesquisadora são a apreensão da realidade e o entendimento de que a classe tem gênero, raça e etnia, especificidade. “A classe social não é uma abstração. Ela concretamente está ali colocada no cotidiano das políticas sociais, no transporte público, no dia a dia das comunidades, das periferias, dos morros, das várzeas, das comunidades ribeirinhas e quilombolas deste país, e a gente sabe que cor e que gênero tem a maioria dessa população”, comentou, defendendo que o enegrecimento das trabalhadoras e dos trabalhadores do Serviço Social e a politização desse debate podem resultar, entre outros, na perspectiva de uma unidade na luta.

 

Cumplicidade, saídas coletivas e poder de mudança

Telma Gurgel trouxe a análise da situação da mulher na conjuntura, resgatando a discussão do próprio capitalismo, que é destrutivo e dependente da super exploração do trabalho, marcadamente o da mulher, nas suas mais diversas frentes e camadas, em casa e/ou fora dela, e se alimenta de crises cíclicas e de sua crise sistêmica, que recaem sempre primeira e mais fortemente sobre as mulheres. Quanto à estruturação do capitalismo no patriarcado, no racismo e na exploração da classe, Telma resumiu: “O capitalismo e o patriarcado selaram um acordo perpétuo, com o aval do racismo”.

 

A classe social não é uma abstração. Ela concretamente está ali colocada no cotidiano das políticas sociais, (…) e a gente sabe que cor e que gênero tem a maioria dessa população — Eliana Pereira

 

A professora também fez referência ao conflito entre Rússia e Ucrânia, segundo ela, mais uma guerra imperialista, sublinhando que não existe guerra sem derrota para a classe. Sobre o impacto da atual pandemia para as trabalhadoras, ela destacou as milhões de mulheres que ficaram desempregadas e em situação de pobreza na América Latina, e refletiu sobre o trabalho doméstico, o mais atingido na crise sanitária. “Essa situação, pra gente, que acompanha e que está diretamente ligada e trabalhando enquanto profissionais com as mulheres das periferias das cidades, com as mulheres que estão lá nas comunidades, nós vemos isso diariamente, mulheres chegando e pontuando a impossibilidade do retorno ao seu trabalho”, apontou Telma.

 

Ela discorreu, ainda, sobre a “feminização” do processo de trabalho no pós-pandemia, que seria a universalização da precarização do trabalho, que tem sido, na realidade, o modelo de trabalho feminino no Brasil há muito tempo. “São trabalhos que vêm reproduzindo de forma generalista o que era caracterizado como trabalho feminino, as características do trabalho feminino. É o rebaixamento total da condição da classe, e das mulheres, nesse momento, mais ainda com o home office, ou seja, o trabalho dentro de casa. Quebrou-se, completamente, a divisão entre o trabalho fora e o dentro de casa, e as mulheres tiveram que ‘rebolar nos trinta’ para que nada atrapalhasse a sua competência profissional, que deveria estar fora de casa”, comentou sobre o trabalho remoto a partir da pandemia.

A gente precisa chegar junto da realidade dessas mulheres, não como alguém que está longe, mas como alguém que faz parte da trajetória, porque tudo o que temos hoje de políticas foi resultado da luta das mulheres junto com a luta da classe— Telma Gurgel

A palestrante não deixou de lado outros problemas que acompanham a população feminina historicamente, como a apropriação do corpo e da memória da mulher. Telma também apontou uma “crise do cuidado” no país, vide o sucateamento das políticas sociais, especialmente as de saúde, educação e assistência. Para ela, referindo-se especificamente à categoria de assistentes sociais, a saída para essa crise e, como um todo, para a crise conjuntural e sistêmica, está na apreensão da realidade, na cumplicidade da classe — entre seus pares e com as usuárias — e na coletividade.

 

“A gente precisa chegar junto da realidade dessas mulheres, não como alguém que está longe, mas como alguém que faz parte da trajetória, porque tudo o que temos hoje de políticas foi resultado da luta das mulheres junto com a luta da classe, com a classe trabalhadora, enquanto classe, na sua radicalidade, criatividade, força estética-política. Precisamos pensar saídas para a crise que vivemos hoje nessa perspectiva de totalidade. Pensar que somos iguais porque temos a mesma condição de mulher, e diferentes nas nossas experiências específicas de vida. O que nos une hoje enquanto mulheres da classe trabalhadora? A luta contra a fome, contra o desemprego, contra o ataque às instituições ou às organizações do cuidado. E logicamente que é muita luta na rua. Essa adrenalina as mulheres têm. E nós temos muitas ideias a serem construídas juntamente. Não é luta do possível, é luta do necessário. É pressãozona. Todo poder tem medo dessa força da base, e na base estamos nós”, concluiu Telma Gurgel.

 

Debate histórico e permanente

Foi uma aula, um bálsamo, uma injeção de ânimo nesse contexto tão precarizado, de feminização da pobreza, da fome, mas em que existem possibilidades, estratégias, alternativas coletivas — Patrícia Maria da Silva

No debate com o público presente via chat, muitas preocupações que permeiam a temática foram abordadas, como a terceirização que atinge as assistentes sociais em todas as políticas sociais, o enfrentamento ao machismo ainda presente até mesmo no Serviço Social — e que se manifesta, inclusive, contra a proposição de campanhas no campo das lutas das mulheres —, as estratégias para o diálogo com assistentes sociais, mulheres e homens, sobre um caminho possível de ruptura e novas construções, a atuação de assistentes sociais no combate à domesticação do corpo e da vida das mulheres por serviços, equipes profissionais e a implementação equivocada de políticas públicas, a institucionalização da luta das mulheres e o seu afastamento das ruas, e a banalização da “sororidade”.

 

“Foi histórico. Foi uma aula, um bálsamo, uma injeção de ânimo nesse contexto tão precarizado, de feminização da pobreza, da fome, mas em que existem possibilidades, estratégias, alternativas coletivas. Esse debate não se iniciou aqui, não termina aqui. Que ele possa ir para os nossos locais de trabalho, para as universidades. Não é um debate que se esgota numa campanha de gestão”, encerrou Patrícia Maria.

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