Apesar de o Brasil ter abolido o regime de escravidão no século XIX, na sociedade atual, o trabalho escravo ainda é recorrente. De acordo com os dados do Índice de Escravidão Global, elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que mais 200 mil trabalhadores vivem em regime de escravidão.
O Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) considera trabalho análogo à escravidão, aquele em que o/a trabalhador/a é submetido/a a trabalhos forçados; sob jornada exaustiva; em condições degradantes de atuação; restrito à locomoção, seja em razão de dívida contraída, seja por meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do/a trabalhador/a, ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo/a no local de trabalho; ferindo todos os direitos trabalhistas e sociais da pessoa em trabalho.
O Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo — 9ª Região (CRESS-SP), abre espaço a diálogos com a sociedade, a fim de refletir sobre as consequências sociais que esta condição trabalhista traz à vida das pessoas, e qual é o papel da sociedade ao Combate do Trabalho Escravo no Brasil.
Thiago Estevão Ramos, Conselheiro Estadual do CRESS-SP, assistente social trabalhador da rede privada do Sistema Único de Assistência Social, atuando em Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes no município de São Bernardo do Campo e pós-graduando em Especialização em Educação em Diretos Humanos na Faculdade Federal do ABC – UFABC, fala sobre o assunto e aponta ações que podem auxiliar no combate do trabalho escravo, incluindo aqueles relacionados à exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes.
- Estamos em 2022. Numa sociedade ideal, não deveríamos discutir sobre trabalho escravo. Mas qual é a importância sobre o tema?
O fato é que, apesar dos avanços da sociedade moderna no campo da ciência e todos os recursos tecnológicos disponíveis hoje na área da comunicação, temos no mundo a manutenção de um modelo econômico que provoca o fenômeno das mais diversas questões sociais, como a desigualdade e a fome. E a forma como o modelo econômico capitalista produz riquezas se dá pela compra da mão de obra de cada trabalhador/a, contudo, esse pagamento não é equitativo às riquezas socialmente produzidas pelos/as mesmos/as trabalhadores/as, menos ainda sua distribuição, o que gera um cenário propenso ao sucateamento das relações entre os homens e o sentido do seu trabalho; os trabalhadores não se identificam com aquilo que produzem e essa distorção os expõe as mais graves formas de exploração do homem pelo homem, incluindo o trabalho escravo.
- Quais são as ações do CRESS-SP para o dia 28?
A propensão organizativa do CRESS-SP, a animar a categoria de assistentes sociais a endossarem as mobilizações dos movimentos sociais e somar esforços nas frentes de luta e resistência no combate ao trabalho escravo, tem sido limitada, considerando o contexto dos últimos dois anos, envolto à crise pandêmica COVID-19 e suas consequências à economia e à vida das pessoas, com recorte à grave ineficiência do governo brasileiro em dar respostas políticas a essa calamidade. Ainda assim, o CRESS-SP tem incluído o debate sobre trabalho escravo com recorte de gênero, classe, infância, juventude e racismo nas atividades remotas planejadas em nosso calendário institucional, como ocorreram no ano de 2021, no Seminário Estadual Serviço Social e a condição da Infância, Adolescência e Juventude, realizado em julho, no youtube.
- Quais são as principais reflexões e perspectivas sobre o assunto, dentro do Serviço Social?
O Serviço Social conta com aporte do Projeto Ético-Político, cujo viés preconiza a defesa por uma sociedade justa e igualitária, e que emana a necessidade da superação de toda forma de opressão, resultante do acúmulo do capital, que atualmente está concentrado nas mãos de uma irrisória parcela de pessoas no mundo. Isso se dá em detrimento à expropriação de toda humanidade, que fica exposta à luta pela sobrevivência e na maioria dos casos, ênfase nos países mais pobres, sem ao mesmo contar com a garantia dos mínimos sociais.
Para o Serviço Social, o trabalho escravo tem um rebatimento ainda maior nos países de economia tardia. Esse rebatimento atinge, sem precedentes, os mais vulneráveis, como as mulheres negras, homens negros, crianças e adolescentes negros, a população LGBTQIA+, a população em situação de rua e os imigrantes.
- Como a categoria vem atuando para o combate ao trabalho escravo? E como a sociedade pode contribuir para este combate?
O Conjunto CFESS-CRESS (que engloba o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Serviço Social) realiza atividades a nível nacional e estaduais em combate ao trabalho escravo, e também mobiliza a categoria a debater o tema em seus espaços sócios ocupacionais e nas instâncias participativas de controle social. Outro espaço importante, que comporta o debate sobre o trabalho escravo no CRESS-SP, é os dos NUCRESS, núcleos descentralizados que têm como objetivo debater assuntos que incidam no cotidiano profissional das/os assistentes sociais.
- Quais são os tipos de trabalhos escravos mais encontrados no Brasil?
Vale lembrar que, no mundo ocidental, o Brasil foi o último país a manifestar a abolição do trabalho escravo, no final do século XIX, mas até hoje não consegue extingui-lo. Segundo dados da Agência Brasil, o maior número de registros, com 87% dos casos está na produção de carvão vegetal, seguido, respectivamente, por cultivo de café; criação de bovinos para corte; comércio varejista; cultivo de milho. O trabalho escravo urbano também faz vítimas, a maior parte na confecção de roupas. Também houve registros na construção civil, em serviços domésticos, construção de rodovias e serviços ambulantes.
Porém, muitas outras manifestações do trabalho escravo são pouco aprofundadas, visibilizadas e não estão em amplo debate hoje, provavelmente por versarem com fenômenos contemporâneos como, por exemplo, o trabalho escravo juvenil no tráfico de drogas, que afeta gravemente jovens negras e negros moradores das periferias do Brasil, suas famílias e toda comunidade.
- Em se tratando de exploração, a sexual contra mulheres, crianças e adolescentes ainda é muito preocupante. Como o Serviço Social atua para minimizar ou acabar com essa realidade da vida dessas pessoas?
A exploração sexual afeta a população LGBTQI+, a infância e a juventudes, mulheres, de forma que a defesa intransigente da superação das violações de seus direitos, a defesa da supressão do trabalho escravo e da violência sexual contra essa população tem perpassado toda agenda institucional do CRESS-SP, mas cabe alertar que avanços nesse sentido dependem de uma ampla mobilização da sociedade, do Estado e das demais instituições públicas e privadas.
- Quais são os impactos mais relevantes na vida de quem sofre essas explorações?
O impacto incide na violação do direito a dignidade humana, no direito à vida. O trabalho escravo é uma manifestação que aglutina as distintas violações dos direitos humanos, cerceando a liberdade humana a produção de riquezas para pequenos grupos acumularem mais riquezas e com o poder econômico escravizar ainda mais pessoas.
- Como os assistentes sociais atuam no atendimento a essas mulheres, crianças e adolescentes?
As/Os assistentes prezam por garantir a proteção integral das crianças, adolescentes e mulheres submetidas a qualquer violação de direitos. Refletem durante atendimentos sociais e grupos socioeducativos sobre a possibilidade do empoderamento e do fortalecimento das pessoas, como meio para um processo de emancipação e superação das vulnerabilidades sociais, como orientam sobre bens e serviços disponíveis por parte do Estado, que atendam suas necessidades e a importância da defesa de um sistema público amplo e efetivo, que possa corroborar com o rompimento do ciclo de violência, o qual muitas vezes indica aspectos de transgeracionalidade.
- Qual é o perfil de mulheres, crianças e adolescentes que sofrem com o trabalho escravo, especificamente os associados à exploração sexual?
Geralmente, o perfil das vítimas do trabalho escravo possui, em seus históricos, a submissão a um processo de desenvolvimento humano e de cidadanias abastada da obrigatoriedade do Estado em garantir a proteção, o cuidado e as condições mínimas para uma sobrevivência digna. Trata-se do público menos favorecido economicamente, são mulheres, homens, crianças e adolescentes moradores de áreas rurais com baixa incidência da presença do Estado e moradores das grandes periferias, onde a população preta é mais violentada.
- E qual é o perfil de quem explora o trabalho ou condições das pessoas?
Pessoas que detém o poder econômico, os meios de produção, de trabalho e que primam por buscar acumular ainda seus capitais são, em geral, responsáveis por manter o trabalho escravo até hoje, pois se aproveitam da situação de miséria dos sujeitos mais vulneráveis, como nos casos de muitos imigrantes e refugiados que buscam asilo no Brasil.
- Como, dentro da atuação no Serviço Social, fazer as pessoas entenderem sobre o combate ao trabalho escravo, para que esta situação seja cada vez menor ou inexistente?
Entendemos que supressão do trabalho escravo somente é possível mediante o rompimento com a ordem social burguesa e com a luta para edificação de outro modelo social, justo e igualitário. Essa tarefa exige o alinhamento e a unidade de toda classe trabalhadora e, o mais importante, não é uma incumbência privativa do CRESS-SP, mas de todas e todos que defendem a possibilidade de um mundo melhor.
- Qual é o papel do governo neste combate?
Os governantes que gestam a máquina pública e defendem o modelo neoliberal para o Estado, como é o caso no Brasil no momento, estão entre os principais responsáveis pelo trabalho escravo. Logo, é necessário que se busque alternativas menos danosas à sociedade, até que edifiquemos um Estado que combata o trabalho escravo garantindo a população oportunidades, justiça e qualidade de vida.
Saiba mais
Seminário Estadual – Serviço Social e a condição da infância, adolescência e juventude
Seminário Nacional em defesa das infâncias, adolescências e juventudes
Carta de Porto Alegre – Documento aprovado no 47º Encontro Nacional do Conjunto CFESS-CRESS