“A diversidade e a força das mulheres do Serviço Social” entrevista Abigail Silvestre Torres

Na conversa com o site do CRESS-SP, a assistente social atuante em políticas públicas, docência acadêmica e consultoria técnica para, entre outros, o Sistema ONU, fala do seu trabalho amplo, com pensamento crítico, e propõe reflexões sobre o exercício profissional

 

              A atuação de Abigail Silvestre Torres ilustra bem como a profissão de assistente social extrapola, em muito, o estereótipo que a acompanha desde sua gênese.

               Em mais de 30 anos de trabalhos desenvolvidos nos campos das políticas públicas e da docência, Abigail, diretora técnica e sócia-administradora de uma empresa de consultoria em gestão social, acumula um repertório de vivência profissional tão diverso quanto aprofundado, que não deixa escapar o olhar crítico nem para a realidade social, nem para o interior da própria profissão.

               O extenso currículo inclui, na Gestão Pública, a coordenação de equipes, a direção técnica regional em nível estadual, supervisão técnica de parcerias, presidência de Conselho Municipal e consultoria técnica no campo dos direitos de crianças e adolescentes, controle social e no SUAS. Em organizações da sociedade civil, soma a coordenação de equipe, de programas e a gerência geral, e, na Universidade, a docência na graduação e pós-graduação, e a coordenação em curso de pós-graduação e geral de pós-graduação lato sensu. Além disso, a assistente social é consultora técnica de organismos multilaterais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), do Sistema ONU.

               “Há muita idealização na profissão, como se assistentes sociais estivessem sempre ao lado das pessoas para assegurar acesso a direitos, reparação de injustiças, informações e conhecimentos para vivências mais autônomas e democráticas. Essa é a ideia presente na nossa direção política e ética. Mas se esse ideário, esse projeto, se concretiza no modo de desenvolver o trabalho, isso depende de muitas questões, dentre as quais o compromisso e a direção que damos ao nosso exercício profissional”, considera.

               A entrevista de Abigail para a série “A diversidade e a força das mulheres do Serviço Social” deixa essa e inúmeras reflexões sobre a área, e nos provoca a perceber como a atuação de assistentes sociais pode — e deve — ser estratégica para as gestões públicas, privadas ou de organizações da sociedade civil, que lidam, direta e cotidianamente, com as expressões da questão social.        

 

Site CRESS-SP: Qual é a sua área de atuação?

Abigail Silvestre Torres: Políticas públicas e docência do Ensino Superior. Nas políticas públicas, atuo principalmente na área dos direitos da infância e adolescência, no campo do controle social e no Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Minha atuação predominante atual é como consultora em municípios dos Estados de São Paulo, de Santa Catarina, do Paraná e Minas Gerais, principalmente.

               Também atuo em âmbito nacional ao prestar serviços de consultoria para o Sistema ONU (PNUD e UNESCO), e na pesquisa científica, compondo o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP (NEPSAS/PUC-SP).

 

CRESS-SP: Como é essa perspectiva de atuação?

Abigail: Difícil falar de um campo tão diverso de atuação como é o meu. Mas, se eu pudesse sintetizar, eu diria que transito pelo cotidiano da atenção ao cidadão e cidadã em serviços públicos, na medida em que dialogo e busco apoiar técnica, ética e politicamente a atuação de equipes que atendem essas pessoas em suas demandas e sofrimentos decorrentes da desigualdade.

               Ao mesmo tempo em que dialogo com profissionais de gestão, responsáveis pela organização de serviços, execução do financiamento público, organização de dados para gerar conhecimento, entre outras ações próprias da gestão.

               E esse diálogo se dá por meio do trabalho com grupos de profissionais e na elaboração de subsídios e ferramentas para ampliar o repertório de intervenção, fortalecendo processos de educação permanente, que é uma perspectiva de olhar o trabalho no cotidiano, buscando refletir sobre os desafios que se apresentam nesse fazer, para, por meio de referências teóricas e resultantes da sistematização da própria intervenção, buscar produzir mudanças no trabalho para ampliar acessos a direitos e combater processos de reiteração de submissão e violências no âmbito das políticas de proteção.

               Então, minha atuação é principalmente fomentando reflexão em grupos, analisando situações concretas com as quais as equipes se deparam cotidianamente e ofertando subsídios para lidar com essas situações desafiantes.

               Outra atuação que é síntese do que faço é a produção de materiais técnicos que sirvam de parâmetros e orientação para a intervenção de equipes em diferentes contextos. Produzo artigos, relatórios de avaliação de serviço, análise de legislações, orientações técnicas, guias, cartilhas, enfim, materiais de subsídio para o exercício profissional de equipes interdisciplinares que atuam em políticas públicas, seja na gestão ou na atenção direta às pessoas nos serviços.

O Serviço Social vai ter sentidos diferentes para as pessoas, a depender do que esse encontro com uma ou um profissional dessa área provocou

               Um terceiro campo de atuação é a pesquisa científica. Aqui a minha atuação se refere mais a buscar conhecer a realidade das equipes profissionais por meio de instrumentos que possam desvelar demandas mais presentes, concepções de direitos, violações existentes em diferentes lugares, modos e razões de desenvolvimento de determinadas intervenções, condições concretas de execução da intervenção, saberes existentes e necessários, dentre outros elementos que constituem o desvelar da realidade em movimento.

               E, por fim, atuo na docência de pós-graduação. Aqui, minha intervenção é mais voltada para disciplinas que são afeitas ao meu campo profissional e, principalmente, com profissionais já formados/as que atuam em políticas públicas. Então, similar à minha atuação como consultora, desenvolvo processos de reflexão com estas pessoas que buscam, em cursos de pós-graduação, ampliar sua compreensão sobre as expressões da desigualdade e seu repertório para nela atuar.

CRESS-SP: Como descreveria sua rotina de trabalho?

Abigail: Uma parte do meu tempo é dedicada a escrita de textos, materiais instrucionais, orientações. Outro tipo de trabalho que faço rotineiramente é a elaboração de propostas técnicas e orçamentárias para responder a demandas de prefeituras e organizações que desejam contratar o serviço da nossa empresa de consultoria.

               Todas as semanas, rotineiramente, faço facilitação de oficinas com grupos de profissionais — neste caso, sempre em dupla ou com minha sócia, a Dra. Stela Ferreira, ou com alguma profissional da equipe que atua conosco.

               Participo com muita frequência de reuniões de equipe para planejamento dos trabalhos com grupos, escrevo muitos relatórios registrando o trabalho desenvolvido e faço palestras e exposições dialogadas para provocar reflexão sobre questões com as quais trabalho.

               E leio muito, e sempre, artigos e livros sobre as temáticas com as quais estou trabalhando, como também participo de coletivos de estudos para ampliar compreensão e compartilhar incertezas com outras especialistas.

CRESS-SP: Para você, o que é o Serviço Social na vida da população?

Abigail: Eu não acho que exista uma resposta única para essa questão, pois o Serviço Social vai ter sentidos diferentes para as pessoas, a depender do que esse encontro com uma ou um profissional dessa área provocou. Quero dizer que, a depender do modo que uma pessoa foi acolhida por um/a profissional, de como se deu esse diálogo, se foi um momento de reconhecimento das trajetórias e das resistências das pessoas, se foi um momento de respeito dessas vivências, se foi um momento em que profissionais buscaram ampliar o universo de informações das pessoas, assegurar acesso a seus direitos, momentos em que as pessoas se sentiram acompanhadas, o Serviço Social terá um impacto na vida das pessoas.

               Mas, se ao viver a experiência de ser atendida por uma assistente social ou um assistente social, a pessoa sentir que está sendo julgada pelo que fala e como se comporta, se sentir a ameaça de perder algo que é importante para ela, como a guarda de um filho, o acesso a um benefício, a vaga em um serviço, ou ainda, se sentir que está sendo tratada como alguém inferior, ignorante, o sentido do Serviço Social na vida dela será outro. Às vezes, até, pode ser uma experiência tão indesejada que as pessoas evitam viver novamente.

               E, por que estou fazendo essa digressão para falar de uma questão que poderia ser simples? Digo isso porque acho que há muita idealização na profissão, como se assistentes sociais estivessem sempre ao lado das pessoas para assegurar acesso a direitos, reparação de injustiças, informações e conhecimentos para vivências mais autônomas e democráticas. Essa é a ideia presente na nossa direção política e ética. Mas se esse ideário, esse projeto, se concretiza no modo de desenvolver o trabalho, isso depende de muitas questões, dentre as quais o compromisso e a direção que damos ao nosso exercício profissional. Por isso, entendo que não há uma única resposta possível.

Acho que esse é o maior aprendizado que tive ao longo da minha trajetória de atuação, ser aberta para diferentes saberes e para usufruir de diferentes olhares sobre as vivências cotidianas, no interior e fora das instituições

CRESS-SP: Quais são os principais desafios que enfrenta no Serviço Social, por ser mulher e atuar na defesa dos direitos sociais?

Abigail: O maior desafio que enfrento está associado à ausência de prioridade da área em que atuo, especialmente no SUAS, com recursos muito escassos, pouco reconhecimento coletivo de sua relevância e das questões com as quais atua, ainda de baixa profissionalização e com muitos preconceitos, especialmente ao se entender que basta ser uma pessoa de bom coração, paciente e cristã que terá um trabalho relevante.

               Esse entendimento exige uma disposição constante para desconstruir concepções, desvelar processos de violação de direitos, tornar visíveis estereótipos e preconceitos, o que termina sendo muito desgastante e exige esforço e energia.

               De outro lado, profissionais que atuam na minha área, não raramente são tratadas com certo desdém, como se fôssemos ingênuas e nos deixássemos enganar pela malícia e má-fé da população. Esse preconceito e estereótipo também é exigente, pois requer uma capacidade de argumentos em diferentes espaços de debate público, ao mesmo tempo em que exige atenção constante para não termos nossas ideias e posicionamentos deturpados e manipulados.

               Atualmente, tenho mais autonomia no meu exercício profissional, mas, sempre que estou diante de novos interlocutores, sinto que é preciso ter energia para defender os argumentos e enfrentar os preconceitos e estereótipos que muitas vezes impedem as pessoas até mesmo de dedicarem sua atenção ao que está sendo debatido.

CRESS-SP: Que pontos positivos destaca na sua trajetória de atuação?

Abigail: Considero mais marcante na minha carreira o fato de que sempre atuei em equipe, e, com essas equipes, aprendi e continuo aprendendo constantemente. Também tive o privilégio de contar com profissionais mais experientes que eu em vários espaços institucionais e profissionais, que tiveram generosidade para compartilhar saberes e induzir novos modos de atuação. Essa oportunidade favoreceu que eu sempre apreciasse estar em espaços diferentes para ter novos aprendizados e experimentar novos fazeres.

               Destaco, também, o fato de ter tido acesso à política pública de Educação desde o Ensino Fundamental até os estudos de pós-doutorado. Sempre acessei educação de forma gratuita, ao estudar em escola pública ou por meio de bolsas de ensino. Essa oportunidade de estudos ampliou minha capacidade intelectual e profissional, como também favoreceu o diálogo com pesquisadoras e pesquisadores de políticas sociais do Brasil, da América Latina e da Europa, situação que favoreceu que eu tivesse um olhar mais alargado para os processos de produção e reprodução da desigualdade.

               Eu diria, essencialmente, que minha trajetória profissional foi tecida no diálogo com muitas e muitos profissionais admiráveis de diferentes campos do conhecimento, da psicologia, das ciências sociais, do direito, da pedagogia, da comunicação, da música, da filosofia, das artes plásticas… Sempre atuei em campos interdisciplinares e acho que esse é o maior aprendizado que tive ao longo da minha trajetória de atuação, ser aberta para diferentes saberes e para usufruir de diferentes olhares sobre as vivências cotidianas, no interior e fora das instituições.

 

CRESS-SP: Qual é o seu olhar sobre a sua profissão?

Abigail: Tenho orgulho da minha profissão, e tenho orgulho de ter atuado por quase 15 anos na graduação e, portanto, influenciando a formação de muitas e muitos profissionais do Serviço Social. Para mim, essa é uma profissão muito estratégica para desenvolver modos de desvelar processos cotidianos de desigualdade e para produzir uma desnaturalização desses processos.

               Mas ao longo desses mais de 30 anos de profissão, sempre acompanhei os debates em que refletimos sobre a presença e permanência do conservadorismo no interior da profissão, e, a essa questão, entendo que devemos adicionar os diálogos sobre a precarização da formação e os impactos para a garantia de acesso aos direitos de amplos coletivos de pessoas, atendidas por essas e esses profissionais nas diferentes políticas públicas.

               E ressalto que são 30 anos porque essa discussão não é nova, mas em tempos de negacionismo, de desavergonhado aplauso de governos à violência institucional, em tempos de banalização da vida, numa profissão de linha de frente, que atua diretamente em espaços onde se busca acesso a direitos para reparação de injustiça, preservação da vida e da dignidade, é ainda mais necessário intensificar o debate sobre os diferentes projetos que convivem no seu interior, para que intervenções que violam direitos não sejam acobertadas corporativamente, mas debatidas para que sejam superadas.

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