A diversidade e a força das mulheres do Serviço Social

O CRESS-SP traz, a partir deste mês, uma série de entrevistas com assistentes sociais mulheres que atuam em diversas frentes da profissão. Na estreia, o conhecimento, a experiência, a visão e a pluralidade de Ariana Celis     

As mulheres são a maioria entre assistentes sociais no Brasil, categoria profissional que tem como norte defender os direitos sociais e humanos da população. E a atuação dessas profissionais acontece de maneira ampla, em diversas frentes, na participação em movimentos sociais, na pesquisa acadêmica, na docência, nas políticas públicas e na iniciativa privada, em instituições e empresas das mais diferentes áreas.

Celebrando essa diversidade e a força que essas mulheres representam, e, ainda, em diálogo com a Campanha de Gestão 2020-2023 do Conjunto CFESS-CRESS, “Nós, mulheres, assistentes sociais de luta!”, o site do CRESS-SP vai publicar uma série de entrevistas que buscam retratar como assistentes sociais de perfis profissionais distintos têm uma rotina de trabalho desafiadora, que, entre outros, inclui o investimento em formação constante e o enfrentamento de condições adversas para o desenvolvimento de suas atividades.

Na primeira delas, conversamos com Ariana Celis, de São Paulo, capital, que, além de assistente social e docente no Ensino Superior, é consultora e empresária. Confira!

 

 

Site CRESS-SP: Quantos anos você tem e há quanto tempo é assistente social?

Ariana Celis: Eu tenho 37 anos e me graduei em Serviço Social há 13. Desde que me formei, estou inserida em unidades de ensino, seja como assistente social, seja como docente. Estive nas três universidades estaduais paulistas como assistente social da área da Saúde (e sigo trabalhando em uma delas) e em diversas faculdades privadas como docente.

Em 2017, passei a prestar consultorias em empresas e, em 2020, decidi iniciar atividades como pessoa jurídica, abrangendo também o ensino nas atividades da empresa, uma vez que o ensino perpassa toda minha trajetória de trabalho e vida. Minha primeira formação foi o Magistério, concomitante com o Ensino Médio, assim, a paixão pelo processo ensino-aprendizagem não é de hoje.

CRESS-SP: Como é a sua rotina de trabalho?
Ariana: Sempre é bem agitada, pois transito por várias áreas: sou assistente social, estou na área de ensino e realizo consultorias. Como assistente social, atendo trabalhadores/as de uma universidade pública e colaboro em pesquisas da instituição. Já o ensino não se resume à sala de aula, há todo um planejamento que geralmente fica invisibilizado, e, na minha empresa, tenho grande preocupação com o design educacional dos cursos ofertados. Ainda na área de ensino, finalizei recentemente um contrato de docente temporária em uma universidade pública e foi uma experiência enriquecedora, mas exigiu um grande aprofundamento teórico na área das vigilâncias em saúde.

Quando realizo consultoria, tenho um tempo reservado para estar no local e determino a maior parte dessa agenda para encontro com os/as trabalhadores/as. Também reservo um tempo para leituras, escrita e feedback da consultoria. Há trabalhos que realizo como militância, como a participação em entidade de representação da categoria, participo da coordenação de um cursinho popular que visa o ingresso de assistentes sociais negras na residência multiprofissional em saúde e coordeno o Congresso Nacional de Serviço Social em Saúde (CONASSS).

CRESS-SP: Como é atuar em consultoria no Serviço Social? O que é exatamente essa perspectiva de atuação?

Ariana: Atuar com consultoria acabou sendo uma consequência da minha experiência profissional na Saúde do Trabalhador. Nas palestras que desenvolvo em SIPATs (Semanas Internas de Prevenção de Acidente de Trabalho), sempre relaciono com temáticas que dialogam ou que são objeto de intervenção do Serviço Social e como podemos atuar em determinadas situações da área. Essas palestras despertaram interesse nas empresas em levar não apenas minha fala para outros espaços, mas levar também a minha capacidade de analisar situações e indicar possibilidades de intervenções. Para cada demanda há diferentes possibilidades de atuação, de utilização de ferramentas e instrumentais, mas todas elas são pautadas em uma linha teórica que esteja em consonância com o nosso Projeto Ético-Político e que respeite a autonomia dos/as trabalhadores/as.

Na área de Saúde do Trabalhador, procuramos conhecer, pesquisar e analisar em conjunto com os/as trabalhadores/as os fatores determinantes e condicionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos e ambientes de trabalho. Assim, planejamos intervenções sobre esses aspectos, de forma a eliminá-los ou controlá-los. Geralmente, nossa atuação se dá mais no processo de mediação do que como uma interventora ou um interventor, de fato, pois os/as trabalhadores/as que estão vivendo o dia a dia no local de trabalho são os/as melhores protagonistas para escrever processos de mudanças.

CRESS-SP: Para você, o que é o Serviço Social para a vida dos/as cidadãos/ãs?
Ariana: O Serviço Social não atua apenas sobre, mas na realidade, e, para muitos cidadãos/ãs que vivenciam as expressões da questão social, nossa atuação faz toda a diferença. Antes da graduação em Serviço Social, fui atendida por uma assistente social que realizou uma intervenção com tamanho comprometimento e maestria que fiquei encantada e quis ser assistente social também. Esse atendimento foi determinante para que uma terceira pessoa alcançasse um benefício e essa ação influenciou por qual carreira profissional queria seguir.

Mas essa visão não é hegemônica para os/as cidadãos/ãs. Em uma roda de conversa em uma escola pública com alunos/as do Ensino Médio, uma professora relatou que a assistente social na comunidade em que ela mora era vista como a pessoa responsável por tirar as crianças de lá e enviar para acolhimento institucional, por negar auxílios ou fiscalizar a dinâmica do lar. Essas situações me remetem muito a pensar sobre como anda a nossa formação e o quanto ela impacta na visão que a sociedade tem da nossa profissão.

Contudo, considerando nosso Projeto Ético-Político, entendo que o Serviço Social é uma profissão que pode contribuir com mudanças na sociedade, seja com a construção de espaços coletivos de socialização de informação, seja em atendimentos individualizados, em grupos ou com famílias, com o incentivo à mobilização e organização popular, na formulação e planejamento de políticas sociais, na realização de laudos e pareceres das diversas áreas de atuação em que estamos inseridas, nas consultorias e assessorias, nas supervisões, na área de gestão, nos trabalhos interdisciplinares e em tantos outros espaços sócio-ocupacionais.

CRESS-SP: Quais são seus principais desafios no Serviço Social, por ser mulher e atuar na defesa dos direitos sociais?

Ariana: Por vezes, as pessoas enxergam a assistente social que luta por direitos como uma “mãezona” e não como uma profissional que estudou e tem domínio técnico para realizar aquela ação. Percebo que temos grande procura para atendimento direto a indivíduos em situação de risco, mas temos dificuldade de sermos acionadas para proposição de programas e projetos macroestruturais, seja por conta da questão de gênero, seja por sermos identificadas na instituição como aquelas que apontam os problemas.

Não raro, recebemos adjetivos como “petulantes”, “barraqueiras”, “causadoras”, que dificilmente os homens recebem. A recepção das ideias de homens e mulheres é diferente, mas não deixamos de nos posicionar e, dessa forma, gastamos mais energia e, consequentemente, temos mais carga mental para administrar.

CRESS-SP: Qual é a sua percepção sobre a profissão de assistente social, no contexto de proteção e luta pelos direitos sociais?

Ariana: É importante destacar que a luta para proteção dos direitos sociais não se limita ao/à assistente social no seu campo de atuação, mas perpassa todas as entidades da nossa categoria profissional, ou seja, é uma luta coletiva, cotidiana e estrutural. Grande parte dos/as assistentes sociais consegue viabilizar acesso a direitos sociais via políticas sociais. Embora saibamos que as políticas sociais não são capazes de extinguir ou romper com o sistema capitalista, elas têm a possibilidade de reduzir as mazelas das expressões da questão social, podendo ser parte de um sistema maior de proteção social.

Nesse sentido, estar inserido/a nessas políticas faz toda a diferença na luta para preservar os direitos sociais conquistados nos últimos tempos. A ofensiva neoliberal, além de visar à precarização e privatização dos serviços, satanizando o Estado e culpabilizando de forma individual os sujeitos, tem um forte apelo na cultura e produção do senso comum.

Nossa atuação pode contribuir na criação de consensos contra-hegemônicos, desde que tenhamos a capacidade de analisar a conjuntura criticamente e que nossas ações no trabalho não estejam desassociadas da perspectiva de emancipação.

CRESS-SP: Que marcos positivos destaca ao longo da sua trajetória de atuação?

Ariana: Procuro olhar sempre além do aparente, estar atenta ao movimento da realidade e contribuir além dos espaços institucionais. Um exemplo foi a contribuição da minha pesquisa no mestrado para a luta dos/as trabalhadores/as por melhores condições de trabalho, colocando em evidência as desigualdades de gênero, raça e classe. Pela experiência empírica, notei que as questões de saúde mental estavam afastando os/as trabalhadores/as do trabalho por mais tempo. Contudo, não havia comprovação com dados.

Dediquei minha pesquisa a analisar as principais causas dos afastamentos por doença dos/as trabalhadores/as por meio da categorização dos códigos da CID-10 apresentada em atestados médicos, também realizei entrevistas com os/as trabalhadores/as e o cruzamento dos dados com auxílio de softwares de estatística. Ficou comprovado que o índice de absenteísmo por doença é extremamente alto, que as mulheres negras com escolaridade de nível básico, sem companheiro, são as mais propensas a adoecerem. Confirmei que os transtornos mentais e comportamentais (CID-10 F), com predominância dos quadros de depressão, ansiedade, estresse e alcoolismo, afastam os/as trabalhadores/as por mais tempo, ou seja, são afastamentos longos. As pessoas negras da pesquisa também perceberam que suas condições de trabalho são mais precárias que as da média geral dos/as demais trabalhadores/as. Apenas 7% dos/as participantes com escolaridade de nível superior se declararam negros ou pardos.
O movimento de investigação da realidade através da pesquisa, e utilizando-a como instrumento de luta, foi bastante positivo para fundamentar a instituição de uma política de saúde mental e justificar intervenções. Além de contribuir no meu local de trabalho, a metodologia de pesquisa pode ser replicada em outros espaços.

 

Para cada demanda há diferentes possibilidades de atuação, de utilização de ferramentas e instrumentais, mas todas elas são pautadas em uma linha teórica que esteja em consonância com o nosso Projeto Ético-Político e que respeite a autonomia dos/as trabalhadores/as

 

CRESS-SP: Qual é o seu olhar sobre a sua profissão?

Ariana: Nossa profissão é muito potente, avançamos muito desde o surgimento da profissão e chegamos à maturidade nas dimensões teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política. Todavia, o volume de trabalho que as instituições têm nos demandado, associado à rotina dos nossos lares, acaba por nos deixar exaustas e impacta em nossa capacidade criativa.

É preciso avançar para que as instituições estabeleçam quadros com a quantidade adequada de trabalhadores/as, que tenhamos política de educação permanente, que os salários sejam condizentes com a responsabilidade que nos é imputada, que tenhamos planos de carreiras, recursos materiais e financeiros para atender as demandas dos/as usuários/as, dentre tantas outras problematizações.

Não será sozinhas que faremos esses enfrentamentos. Somente através da luta coletiva, aliadas a outros/as trabalhadores/as, conseguiremos melhores condições para desenvolver nossas atividades profissionais.

CRESS-SP: Que mensagem gostaria de deixar para as mulheres?

Ariana: Gostaria de deixar uma mensagem para um grupo de mulheres que tem crescido muito nos últimos tempos: mulheres bacharéis em Serviço Social que estão na luta para conseguirem sua primeira colocação profissional.

Enquanto a sua oportunidade não chega, participe das discussões proporcionadas pelas entidades de representação da categoria, elas podem fornecer subsídios para uma atuação mais crítica e segura quando o seu momento chegar. Os NUCRESS (Núcleos Descentralizados do CRESS-SP), por exemplo, são núcleos regionalizados que dialogam com a realidade do seu território, além de serem um espaço de trocas e acolhimento onde certamente você conhecerá mulheres que estão na mesma luta. E você saberá identificar seus pares, pois quem está do seu lado nos momentos de luta importa tanto quanto a “guerra” a ser travada.

Lembrem-se sempre que não é a “ausência” do Conjunto CFESS-CRESS que dificulta a sua inserção no mercado de trabalho, mas é a sociabilidade capitalista que não assegura as condições concretas para o atendimento das necessidades humanas, que busca desregulamentar e diluir profissões, desrespeitando processos coletivos de organização e instrumentos normativos instituídos de modo democrático. Somos companheiras e uma nova forma de sociabilidade deve ser nosso norte.

Saiba mais

Conheça o site da campanha “Nós, Mulheres, Assistentes Sociais de Luta!”

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