Criado em 2018, o Comitê Assistentes Sociais no Combate ao Racismo se estabeleceu como importante frente contra o racismo no Serviço Social paulista. O site do CRESS-SP conversou sobre a iniciativa com algumas das suas articuladoras e membros-fundadoras
No Mês da Consciência Negra, o CRESS-SP volta-se para o trabalho intenso de atividades que buscam mobilizar ainda mais os/as assistentes sociais em torno do movimento antirracista em São Paulo e no Brasil. E em 2021, coroando uma série de ações que não se resumem à agenda de novembro, o Conselho celebra a consolidação e continuidade do seu Comitê Assistentes Sociais no Combate ao Racismo.
Criado no ano de 2018 por assistentes sociais motivados/as tanto pela Campanha de Gestão do triênio 2017-2020 do Conjunto CFESS-CRESS, “Assistentes Sociais no Combate ao Racismo”, como pela urgência de se discutir o racismo dentro da categoria, o comitê paulista, pioneiro no Brasil, vem desenvolvendo iniciativas fundamentais para o debate da pauta no âmbito do Serviço Social, seja na formação, seja na atuação profissional.
O site do CRESS-SP conversou com as membros-fundadoras do Comitê, Aparecida Mineiro do Nascimento Santos, Diretora do CRESS-SP, Cintia Neli da Silva Inacio, ex-diretora da Seccional de Santos, Katiana Ventura da Silva, Ivanise Helena Lopes dos Santos e Eliane Oliveira, bases do CRESS-SP.
O grupo teve participação ativa na articulação do coletivo, que, há três anos, segue construindo uma trajetória de lutas e avanços na superação do racismo na nossa sociedade. Leia e participe!
Site CRESS-SP: O que motivou a formação e a continuidade do Comitê Assistentes Sociais no Combate ao Racismo do CRESS-SP?
Aparecida Mineiro: “O debate étnico-racial adentra o Serviço Social, enquanto categoria analítica, a partir do VI CBAS de 1989, cujo pioneirismo foi das assistentes sociais negras que evidenciaram a ausência desse debate no interior da profissão e passaram a tensioná-lo. É importante destacar que essa discussão apareceu somente dez anos após o ‘Congresso da Virada’ e não foi sem motivos. Como destacou Ribeiro (2004), mesmo com todos os avanços conquistados no processo de renovação profissional, as relações raciais acabaram sendo invisibilizadas no contexto das análises de classe”.* A reflexão traduz a expectativa dos/as assistentes sociais, que almejavam esse debate no interior da categoria. *Tales Willyan Fornazier Moreira, em “Serviço Social e questão étnico-racial: apontamentos históricos do debate na trajetória da profissão”.
A materialização dessa ação proporcionou e proporciona tanto aos/às profissionais quanto aos/às estudantes a formação e a continuidade do Comitê Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, cujo objetivo é discutir a questão étnico-racial. A continuidade deste comitê é um compromisso com a nossa categoria, pois continuamos dialogando com os/as assistentes sociais, a população usuária do Serviço Social, os movimentos negros e com a sociedade em geral sobre o racismo. Continuamos incentivando a nossa categoria a promover e intensificar ações de combate ao racismo em seu cotidiano profissional, dando visibilidade para as ações que já ocorreram e que ocorrem, denunciando, de forma direta, diferentes expressões de racismo e, principalmente, valorizando a população e a cultura negra. O nosso trabalho tem relação direta com as demandas da população negra que reside nos morros, nas favelas, no sertão, no campo e na cidade. Nós, assistentes sociais, estamos nos serviços públicos — saúde, educação, habitação e assistência social —, que devem ser garantidos para toda a população. O combate ao preconceito é, inclusive, um compromisso do Código de Ética dos/as/es Assistentes Sociais. Por isso, continuamos na luta e na luta nos encontramos sempre.
Eliane Oliveira: O Comitê foi uma iniciativa articulada pela categoria em conjunto com o CRESS-SP, iniciativa inédita que possibilitou inserir no debate antirracista assistentes sociais de todo o estado de São Paulo.
Apesar de a campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo ter sido da gestão anterior, foi discutido e decidido pela continuidade do debate e do Comitê, com suas diversas ações, a partir dos Grupos de Trabalho (GTs), do Grupo de Estudos Mabel Assis, entre outros, mostrando a urgência desta pauta essencial para o exercício profissional e para a vida em sociedade.
CRESS-SP: O coletivo foi e ainda é bem recebido pela categoria em São Paulo?
Ivanise Helena: Acredito que o Comitê teve uma boa recepção da categoria. Com a pandemia da COVID-19, tivemos que nos reorganizar e passamos a realizar as reuniões de forma virtual, o que nos trouxe algumas reflexões sobre o poder dos canais virtuais de agregar mais assistentes sociais e estudantes. No entanto, essa participação mais potencializada não se reverteu em participação ativa, no engajamento da categoria durante a atividade presencial na Marcha da Consciência Negra em 2021 (18ª Marcha da Consciência Negra de São Paulo).
Participo de um grupo com 38 assistentes sociais da minha turma do bacharelado de 2009. Desde que entrei para o Comitê, tenho provocado a categoria e o grupo para participarem das ações presenciais e/ou virtuais, refletirem sobre o racismo nos seus espaços sócio-ocupacionais. No entanto, não obtive sucesso. Precisamos dialogar constantemente com a categoria. Percebo que, de forma geral, a categoria está presa nas práticas cotidianas tecnicistas.
CRESS-SP: Como percebem e avaliam a adesão da categoria ao Comitê desde seu lançamento?
Ivanise: Percebo que a adesão oscila, mas, neste período de pandemia, a adesão da categoria foi ampliada, muito por conta das facilidades ou comodidades das reuniões e ações virtuais. Por exemplo, atualmente, temos muito mais assistentes sociais e estudantes participando das reuniões do Comitê, das atividades da série de femenagens “Nossos passos vêm de longe! Saudamos mulheres negras que enegrecem o Serviço Social”, do Grupo de Estudos Mabel Assis, das formações, entre outros. Isso revela grande interesse, curiosidade e desejo de possuir ferramentas para enfrentar o racismo.
A pesquisa para que as/os assistentes sociais identificassem o racismo no seu espaço de trabalho (enquete “Assistentes Sociais no Combate ao Racismo”, de 2019) foi um diagnóstico que também serviu para tensionar e sensibilizar a categoria sobre o racismo e as formas de organização coletiva para o seu enfrentamento. Acredito que, com o controle da pandemia e retorno de atividades presenciais, teremos como avaliar de maneira mais consistente a participação da categoria e de estudantes que se engajaram virtualmente, e a ampliação da quantidade de participantes no Comitê.
CRESS-SP: Quais foram as primeiras ações do coletivo?
Eliane: O Comitê iniciou suas atividades com a participação de assistentes sociais de vários espaços sócio-ocupacionais (saúde, assistência social e outros), dialogando sobre a importância deste tema e, nosso objetivo central, sobre como alcançar cada vez mais a categoria. Organizamos diversas ações, entre elas, o CINE CRESS. Como uma das suas primeiras atividades, assistimos e debatemos o filme “Auto de Resistência”, e contamos com a presença da diretora do filme, Natasha Neri, e do Movimento Mães de Maio. Noite emocionante! O projeto teve como proposta abarcar diversas expressões do racismo e, assim, assistimos e debatemos também “Vidas de Carolina” e “Favela Gay”, com as presenças da/o diretora/or dos filmes (Jéssica Queiroz e Rodrigo Felha, respectivamente).
CRESS-SP: Quais foram os principais desafios na articulação do Comitê em 2018 e na agenda do Comitê até aqui?
Cintia Neli: Um grande desafio que temos é que essa temática não seja discutida pelo fato de se acreditar que não mais ocorra o racismo. Outro desafio é fazer com que essa discussão chegue, de fato, na base, em todos os cantos do estado, quiçá, do país. Entendemos a importância de trabalhadores/as do Conjunto CFESS-CRESS e usuários/as assumirem a luta por uma sociedade antirracista.
Nunca foi fácil pautarmos essa temática no Conjunto. Para isso, nos organizamos para mostrar a importância de um comitê antirracista, dentro do Conjunto, não somente nas atividades do CRESS-SP, mas levando para alguns descentralizados e nacional. Vale ressaltar que a construção (do Comitê) se deu com Direção e base, tanto da Sede, quanto de algumas Seccionais.
CRESS-SP: Que ações do Comitê tiveram maior repercussão e impacto até agora?
Katiana Ventura: Uma das ações de maior destaque e impacto foi a pesquisa sobre a percepção do racismo no Serviço Social (enquete “Assistentes Sociais no Combate ao Racismo”), na qual se constatou que a discussão do racismo não está presente no cotidiano profissional. O levantamento serviu de base para outros estudos, sendo referência para vários artigos.
O CINE CRESS, no primeiro ano do Comitê, possibilitou a discussão do racismo na violência policial, na vida da mulher negra, da população LGBT+, na saúde mental.
O webinário “Racismo nas Medidas Socioeducativas e no Cotidiano Profissional da/o Assistente Social”, o Grupo de Estudos Mabel Assis e o Ciclo Formativo Racismo e Luta Antipunitivista são os destaques neste período de pandemia.
CRESS-SP: Como o Comitê foi afetado pela pandemia da COVID-19?
Katiana: Em decorrência da COVID-19, as atividades propostas para 2020 tiveram que ser reelaboradas para a nova realidade pandêmica, impossibilitando seguir o planejamento realizado no ano anterior. Ao mesmo tempo, a adequação possibilitou que assistentes sociais e estudantes de outras regiões de São Paulo, até mesmo de outros estados, pudessem participar tanto das reuniões como das atividades do Comitê.
CRESS-SP: Que linha de atuação o Comitê planeja para 2022 e quais são as expectativas para o futuro do coletivo?
Aparecida: As expectativas são as melhores possíveis, pois as atividades são planejadas com o objetivo de atender ao maior número de pessoas, e para que, assim, possamos atuar junto à população de uma forma mais objetiva. Essa percepção é imprescindível, pois sempre temos que estar em consonância com o nosso cotidiano.
Todos/as nós envolvidos/as nesta causa temos um compromisso ético com o “empenho na eliminação de todas as formas de discriminação (…), preconceito e racismo” e “na defesa intransigente dos direitos humanos”. E é por essas e outras que acreditamos na continuidade deste coletivo, pois à medida que seguirmos tendo vez e voz, não poderão nos calar jamais.
CRESS-SP: Como se sentem tendo sido articuladoras do Comitê, de sua criação?
Eliane: É muito bom estar desde o início do Comitê, pois o tema é fundamental, mudando nosso olhar, nossa compreensão, nossas atitudes cotidianas, e qualificando minhas ações na profissão. E, ainda, tendo o privilégio de estar com companheiros/as valorosos/as com quem tenho aprendido muito. Só tenho a agradecer.
Aparecida: Sabe, esta pergunta é bem interessante. Fazemos parte de um coletivo que a cada dia vem aumentando, com mais pessoas somando, auxiliando, trazendo suas experiências e trocando experiências. Os encontros são momentos riquíssimos que somente quem os vivencia tem o privilégio de dizer “eu estava lá”, ora somando, ora compartilhando, ora chorando, ora rindo, ora estudando.
Que bom que o Comitê veio para ficar, que bom que muitos/as já entenderam o seu objetivo e somam conosco, que bom que muitos/as ainda virão. Que bom ter você lendo sobre nós hoje. Que bom.
Links de interesse
- 21/09/20 – Webinário “Racismo nas medidas socioeducativas e no cotidiano profissional da/o assistente social”
- 22/09/20 – Webinário “Racismo nas medidas socioeducativas e no cotidiano profissional da/o assistente social”
- Enquete Assistentes Sociais no Combate ao Racismo nos espaços socio-ocupacionais