A Comissão Ampliada de Ética e Direitos Humanos do CRESS-SP (CAEDH) vem por meio desta nota, destacar a relevância da Semana Estadual das Pessoas Vítimas de Violências no Estado de São Paulo, instituída pela Lei nº 15.501, e que desde 2014 é celebrada de 12 a 19 de Maio. Essa semana tornou-se Lei em memória aos Crimes de Maio de 2006, ocorridos há exatos 15 anos.
Os Crimes de Maio de 2006 foram o maior genocídio da história contemporânea, em pleno regime democrático. Na ocasião, em apenas uma semana (entre os dias 12 e 20 daquele mês), agentes policiais e grupos paramilitares de extermínio a eles ligados, executaram, segundo estudo, 564 pessoas, dentre elas 505 civis e 59 agentes públicos, que tiveram suas vidas ceifadas. As vítimas civis, com idade de 15 a 24 anos, eram pobres, negros e indígenas. Essa violência brutal dilacerou a vida de muitas famílias no estado de São Paulo, na capital e Baixada Santista. Há ainda registros de quatro jovens vítimas de desaparecimento forçado, sequestrados por agentes da polícia paulista, Rota e Força Tática, jovens que jazem insepultos, sem o direito constitucional de um enterro digno e respeitado.
Para enfrentar o genocídio deste bárbaro momento da nossa história, o Movimento Mães de Maio foi criado, fundando por quatro mulheres- mães guerreiras: Débora Maria da Silva, Ednalva Santos, Vera de Freitas e Vera Gonzaga (falecida em maio de 2018). O Movimento conseguiu, ao longo destes 15 anos, politizar suas dores, transformando o luto em verbo. Do reconhecimento desta luta, foi promulgada a Lei nº 14.981 que incluiu no calendário oficial do estado de São Paulo o “Dia Mães de Maio”, a ser comemorado, anualmente, no dia 12 de maio.
Os familiares das vítimas, majoritariamente, mulheres negras, indígenas e periféricas, vivenciam ao longo desses anos, uma caminhada intensa e dolorosa, sendo revoltante e indigno sabermos que este percurso por justiça nunca teve apoio devido do Estado, tampouco manifestou em cuidados com as vítimas de violência perpetrada por ele mesmo. Entendemos ser urgente o atendimento ao clamor destas famílias por acesso à justiça, à memória e verdade sobre os Crimes de Maio, e todos os demais crimes bárbaros que se perpetuam desde sempre nessa sociedade de racismo estrutural arraigado e de profundas desigualdades sociais.
E nós, assistentes sociais, o que temos com isso? É imprescindível lembrar que, segundo Duriguetto [1] (2014), a relação interventiva do Serviço Social com os processos de mobilização popular tem caráter normativo e estão explicitados na nossa Lei de Regulamentação da profissão (1993), que expressa como competência do/a assistente social no Art.4º, parágrafo IX: “ prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade”, e no Código de Ética (1993) no campo do direito do/a assistente social, art. 12º alínea b: “apoiar e/ou participar de movimentos sociais e organizações populares vinculados à luta pela consolidação e ampliação da democracia e dos direitos de cidadania”.
São os movimentos sociais, as lutas coletivas que radicalizam suas formas de luta desnudando as bases sociais de produção da desigualdade. Cabe a nós, assistentes sociais, fortalecer as formas de resistência a essas desigualdades e desvelar os potenciais de mobilização. Nossa vinculação aos movimentos propiciará a abertura de possibilidades interventivas de trabalhar com os sujeitos estratégias coletivas de encaminhamento de suas necessidades.
As mulheres, Mães de Maio e de outras dezenas de movimentos nascidos para se contrapor ao genocídio do Estado, seguem mobilizadas, resistindo e persistindo, junto às centenas e milhares de familiares vítimas da violência Brasil afora. Os familiares de vítimas neste percurso na busca por justiça acessam ou tentam acessar políticas públicas as quais nós, assistentes sociais, estamos inseridos/as. Nesse sentido, é crucial, com base em nossos preceitos éticos, na efetivação do princípio ético da defesa intransigente dos direitos humanos, que saibamos reconhecer estas causas, reconhecer essa expressão de racismo que tanto combatemos, pois, nas periferias das cidades, a presença do Estado se dá dessa única forma: pela violação do principal direito humano, o direito à vida!
Comissão Ampliada de Ética e Direitos Humanos (CAEDH)
Conselho Regional de Serviço Social – 9ª Região (CRESS-SP)
Maio de 2021
Referências:
[1] DURIGUETTO, M.L. Movimentos Sociais e Serviço Social no Brasil pós- anos 1990: desafios e perspectivas. In: ABRAMIDES, M.B e DURIGUETTO, M.L. Movimentos Sociais e Serviço Social uma relação necessária. São Paulo: Cortez, 2014.