Série “A diversidade e a força das mulheres do Serviço Social” conversa com Marilda de Oliveira Lemos

A assistente social revisita o início da sua atuação com mulheres vítimas de violência, e fala de como o tema se tornou o centro de sua carreira e do ativismo que leva ao trabalho no COMDIM de Pirajuí

Marilda de Oliveira Lemos, assistente social, Mestre em Administração Pública, Doutora em Ciências Sociais e Professora de Serviço Social aposentada. Membro do COMDIM de Pirajuí/SP e da SubComissão de Orientação e Fiscalização (SubCOFI) da Seccional Bauru do CRESS-SP.

Há pouco mais de 20 anos, a atuação de Marilda de Oliveira Lemos com a população feminina vítima de violência veio da mesma necessidade de milhares de trabalhadoras brasileiras, a de aumentar a renda. O que começou como um novo trabalho profissional da assistente social desencadeou a reflexão, a reavaliação e autocrítica, levou à ampliação do conhecimento e à superação de olhares.

O trabalho tornou-se atuação, projeto pessoal, ativismo, que a aposentadoria não encerrou e que seguem promovendo outras transformações, em outras vidas. Nas das mulheres violentadas, por meio da participação no COMDIM (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher) de Pirajuí/SP, e também nas dos autores da violência, no projeto voltado a esses homens que, em 2022, passou a ser um programa da Assistência Social como política pública no município.

Na entrevista concedida ao site do CRESS-SP para a série “A diversidade e a força das mulheres do Serviço Social”, Marilda compartilha um pouco da sua trajetória. Às gerações presentes e futuras de assistentes sociais, ela propõe a mesma disposição para a constante reflexão e para a transformação que a guiaram e guiam até hoje. “Precisam ter memória histórica e consciência de classe. Precisam mergulhar na história do Brasil, na história das mulheres, na história de negras e negros. Precisam decolonizar nosso pensamento”, defende.

 

Site CRESS-SP: O que a levou a trabalhar com mulheres vítimas de violência?

Marilda de Oliveira Lemos: Iniciei o trabalho com mulheres em situação de violência em 1999, após trabalhar 18 anos com crianças e adolescentes em situação social de risco, em meio aberto (como se dizia na época). Foi uma eventualidade, eu precisava aumentar minha renda e o único trabalho que me apareceu foi trabalhar no Centro de Referência da Mulher “Vem Maria”, um serviço da Prefeitura Municipal de Santo André/SP.

Nunca havia trabalhado nessa área. Portanto, tive que ler, estudar muito para entender a complexidade e especificidade da violência doméstica contra mulheres, violência de gênero, violência intrafamiliar. Estudar sobre mulher, mulheres, feminismos… Enfim, até aqui, eu só entendia de ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]. Foi realizando esse trabalho que percebi que todo o tempo em que trabalhei com crianças e adolescentes e suas famílias, eu enxergava apenas as “mães” e não as “mulheres”.

Quanto trabalho eu poderia ter feito com as mulheres se eu tivesse preparação para isso, um olhar de gênero, de violência de gênero! Essa temática me envolveu tanto que fui fazer mestrado em Políticas Públicas e doutorado em Ciências Sociais. Tornou-se um tema de projeto de vida, profissional e pessoal.

 

CRESS-SP: Como descreveria seu trabalho com essa população?

Marilda: Meu trabalho com mulheres em situação de violência sempre se deu em equipe, com psicólogas, assistentes sociais, advogadas, pedagogas. No Serviço Social no “Vem Maria”, fazia o acolhimento e atendimento das mulheres que procuravam o serviço. O acolhimento da situação de violência, que é diferente de recepcionar a mulher, costumava durar de três a quatro encontros semanais. Depois disso, uma vez identificados os tipos de violência sofridos, o perfil do agressor, os riscos a que a mulher estava submetida, a rede pessoal possível que ela mantinha ou poderia manter, passava para o que chamávamos de atendimento, que envolvia tantos encontros semanais quantos fossem necessários para desencadear um processo de reflexão e fortalecimento com a mulher sobre as características da violência doméstica, a submissão das mulheres, alternativas e estratégias de rompimento com a violência.

Nesse período, algumas mulheres passavam a ser atendidas pela psicóloga. Como assistente social, eu fazia também todos os encaminhamentos para a rede de serviços disponíveis: saúde, educação, assistência social, assistência jurídica, habitação… Semanalmente, participava da reunião da equipe para estudo de casos.

 

CRESS-SP: Na sua atuação no COMDIM de Pirajuí, em que perspectiva se dá o trabalho com os homens autores de violência doméstica?

Marilda: Como já estou aposentada, sou ativista da causa por meio da minha participação no COMDIM de Pirajuí desde que cheguei nesta cidade, há dez anos. Como no município não há uma política específica para mulheres, as equipes do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) foram envolvidas no estudo, reflexão e atendimento de mulheres em situação de violência, após um processo de sensibilização para a temática. Também foi desencadeado um programa de sensibilização de policiais militares que atendiam os chamados 190, já com duas edições. Foi nesse processo que começamos a pensar o trabalho com os homens autores de agressão de mulheres.

Foi composta uma equipe com psicólogo do CRAS, policial militar e eu, para estudarmos, nos prepararmos e estruturarmos o trabalho com os homens. Eu já tinha uma ligação com o projeto “E agora, José?”, de Santo André. Após algumas reuniões com a Secretaria de Assistência Social, Polícia Civil, Polícia Militar, Ministério Público e Judiciário, o trabalho teve início em 2017.

Em março deste ano, o COMDIM conseguiu que o projeto se transformasse num programa da Assistência Social como política pública. A perspectiva do trabalho é de responsabilização e reeducação dos homens autores de violência contra mulheres.

 

CRESS-SP: Onde “ser mulher” e “ser assistente social” mais convergem?

Marilda: Na insubordinação, teimosia, ousadia e transgressão da ordem patriarcal. Na denúncia e superação de preconceitos.

 

CRESS-SP: Que impacto comum na vida das mulheres atendidas nos mais diferentes espaços sócio-ocupacionais a atuação profissional de assistentes sociais pode ter, efetivamente?

Marilda: Pode ter um impacto bastante efetivo se trabalhar na perspectiva da reflexão sobre as condições objetivas e materiais da vida das mulheres na história, se trabalhar na perspectiva da busca coletiva de soluções para seus problemas cotidianos.

 

CRESS-SP: Fazendo uma reflexão sobre sua trajetória como assistente social, que momentos foram mais decisivos, significativos?

Marilda: O primeiro momento significativo da minha vida profissional foi quando recebi três estagiários de Serviço Social da Faculdade Espírita [Faculdades Integradas Espírita], em Curitiba/PR. Um rapaz e duas moças. Foi em 1986, eu estava formada há seis anos. Assumi a responsabilidade com tanto medo que voltei a estudar. Fiz um curso de atualização. Acho que era isso. Era momento de reestruturação do Código de Ética, se não me engano.

O segundo momento foi quando comecei a enxergar as mulheres como cidadãs, sujeitos de direitos, para além da maternidade. E o terceiro, quando assumi a docência em 2008, no curso de Serviço Social. Primeiro na FAPSS – São Caetano [FAPSS SCS – Faculdade Paulista de Serviço Social, São Caetano do Sul/SP], depois no UniSALESIANO de Araçatuba/SP.

 

CRESS-SP: Que avanços identifica no Serviço Social desde que ingressou na carreira e onde é preciso mudar, tendo em vista a conjuntura atual e olhando para o futuro?

Marilda: Avanços: o último Código de Ética, o fortalecimento da ABEPSS [Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social] e do Conjunto CFESS-CRESS.

Preocupações (não mudanças): preocupam-me a consolidação do nosso Projeto Ético-Político e o crescente número de cursos na modalidade virtual. Meu sentimento é de que nosso Projeto Ético-Político corre o risco de se tornar virtual também, quando, na verdade, é um compromisso que exige engajamento cotidiano e leitura atualizada da realidade mais profunda.

 

CRESS-SP: O que as novas e futuras gerações de assistentes sociais precisam saber?

Marilda: Precisam ter memória histórica e consciência de classe. Precisam mergulhar na história do Brasil, na história das mulheres, na história de negras e negros. Precisam decolonizar nosso pensamento.

 

 

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