Educação ainda mais precarizada em tempos de pandemia

Em entrevista ao site do CRESS-SP, as assistentes sociais Francilene Gomes Fernandes, Ana Léa Martins Lobo e Maria Conceiço Borges Dantas, todas trabalhadoras na Educação, compartilham suas percepções sobre os impactos da pandemia de COVID-19 para estudantes, professores/as e profissionais da área  


Uma das áreas mais afetadas em 2020 pela pandemia de COVID-19 é a Educação. O impacto negativo é sentido por estudantes, professores/as e todos/as os/as trabalhadores/as que compõem a cadeia de ensino no Brasil, em todos os níveis.

Em agosto, quando são celebrados o Dia Nacional dos/as Profissionais da Educação (6/8) e o Dia do/a Estudante (11/8), o site do CRESS-SP preparou uma entrevista com assistentes sociais que atuam na Educação e que testemunham e vivem nos seus cotidianos de trabalho os prejuízos do “novo normal”, propondo uma reflexão sobre o cenário a partir da perspectiva do Serviço Social.

Francilene Gomes Fernandes, assistente social, professora universitária e Vice-Presidenta do CRESS-SP, Ana Léa Martins Lobo, assistente social, docente universitária e membro da Direção Estadual do CRESS-SP, e Maria Conceiço Borges Dantas, assistente social, trabalhadora da Política de Educação no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e Conselheira Estadual licenciada do CRESS-SP, fazem análises importantes sobre os problemas da naturalização do contexto atual, o atendimento e o ensino remotos, a mercantilização da Educação e a flexibilização do ensino presencial, e sobre a situação, agora ainda mais preocupante, do Ensino Superior em Serviço Social.

CRESS-SP: Como a pandemia de COVID-19 tem afetado o atendimento das/dos assistentes sociais na Política de Educação?

Maria Conceição Borges Dantas, assistente social, trabalhadora da Política de Educação no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e Conselheira Estadual do CRESS-SP.

Maria Conceiço Borges Dantas.: A primeira percepção que nos vem é de uma intensificação dos processos de trabalho, exemplificada pelas inúmeras reuniões on-line. Uma vez que o trabalho passa a ser realizado no ambiente doméstico, ele invade nosso espaço privado e diminui ainda mais o nosso tempo livre, o que se intensifica com o uso dos recursos exclusivos das tecnologias de comunicação e informação para mediar esses processos.

Também se verifica o aumento dos trabalhos burocráticos e administrativos, muitas vezes, sem muita clareza de objetivo e intencionalidade, pensando os objetivos do próprio trabalho a ser desenvolvido, que, muitas vezes, representam formas veladas de controle dos/as próprios/as trabalhadores/as. Ainda se tem a dificuldade de contato, mesmo que virtual, com os/as estudantes, devido à própria dificuldade de acesso à internet e suas tecnologias.

Sendo o Serviço Social uma área predominantemente feminina, há o impacto da sobrecarga de tarefas, que aumenta o esgotamento para nós, mulheres trabalhadoras. Em geral, estamos responsáveis pelos cuidados com as crianças, pela realização das tarefas do lar, além das atribuições do trabalho, com a “novidade” de que tudo isso está se dando em um mesmo ambiente e, muitas vezes, ao mesmo tempo.

Tem sido um desafio para nós, assistentes sociais da Política de Educação, pensar estratégias de como problematizar as condições de vida dos/as estudantes para os demais atores da instituição escolar, de modo que esses elementos sejam considerados na elaboração de estratégias para a Educação durante a pandemia, buscando, com isso, reafirmar a educação como um direito de todos/as e evitar que esse contexto acirre as desigualdades educacionais que historicamente temos lutado para combater.

CRESS-SP: O que destaca sobre as considerações do CRESS-SP em relação às questões trazidas para o campo da Educação no contexto da pandemia?   

Maria: Entendemos que qualquer proposta de ensino remoto que se instale neste momento sem considerar as condições de vida dos/as estudantes nas diferentes modalidades de ensino representa uma agudização das desigualdades educacionais, naturalizando a exclusão de um contingente de estudantes dos processos educativos e reafirmando a educação como um privilégio, algo que historicamente vem se tentando combater com a luta pela garantia de uma Educação pública, gratuita, universal e socialmente referenciada. Sabe-se quem está sendo deixado para “trás” na corrida pela instituição do tal “novo normal”. A negação dos direitos básicos continua tendo classe, cor e gênero, uma vez que os mais afetados nesse contexto são os/as pobres, pretos/as e as mulheres.

Sem sombra de dúvidas, qualquer proposta para a Educação neste período de pandemia que esteja, em certa medida, naturalizando o contexto e considerando a realidade somente como um momento de adaptação tende a empobrecer e esvaziar o real sentido da educação, reproduzindo uma mera perspectiva conteudista desta, onde docentes fingem que ensinam e estudantes fingem que aprendem. Outro aspecto relevante é o desgaste mental que trabalhadores/as da área e estudantes têm sentido e vivenciado com a enxurrada de ações on-line a serem realizadas e produzidas, que exigem de todos/as nós um maior dispêndio de energia, além, muitas vezes, de uma “autocapacitação” para usar tais recursos.

O momento exige que a prioridade da Educação seja preservar vidas e contribuir, pensando sua função social, para o enfrentamento da pandemia através da pesquisa e extensão, principalmente no âmbito das instituições de Ensino Superior.

CRESS-SP: A instabilidade e as polêmicas envolvendo o Ministério da Educação (MEC) afetam a atuação de assistentes sociais na Política de Educação em São Paulo?

Maria: Sim, principalmente pensando que, hoje, a maioria dos/as assistentes sociais que se encontram trabalhando na Política de Educação estão em instituições do Governo Federal – sejam as universidades públicas ou os institutos federais. A recorrente mudança de ministros ou mesmo a ausência por determinados períodos, assim como a direção impressa nessa política, sem dúvida, tornam-se grandes complicadores para o trabalho profissional, o que tem se acirrado em tempos de pandemia.

Se pensarmos que nós, assistentes sociais, temos como uma de nossas frentes de trabalho a relação direta com o binômio acesso-permanência, como meio de garantia do direito à Educação pública, gratuita, laica e socialmente referenciada, este tem sido tensionado cada vez mais pelas diretrizes dadas no período da pandemia, tendo como exemplo a situação do ensino remoto, que aparece como “estratégia” para o momento, mas sem grandes preocupações em considerar as reais condições de acesso e uso, e, mais do que isso, as reais condições de vida desses/as estudantes para que isso, de fato, configure-se como algo necessário e essencial, considerando o momento vivido.

CRESS-SP: Como definiria o posicionamento do CRESS-SP sobre o Fundeb* (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação)? *Esta entrevista foi realizada antes do Senado Federal ter aprovado o Fundeb.

Maria: Entendemos que a votação do Fundeb como um fundo permanente faz-se imprescindível para garantir o financiamento da Educação Básica, já que sua prescrição ocorre em dezembro deste ano, o que pode acelerar o desmonte da Educação Básica. Junto a vários atores políticos que lutam em defesa de uma Educação pública, gratuita e de qualidade, estamos divulgando e fortalecendo a campanha #VotaFundeb

Temos realizado algumas ações com o CRP (Conselho Regional de Psicologia) com o intuito de fortalecer essa mobilização, entendendo, também, que a aprovação do Fundeb tem relação direta com a possibilidade de se garantir a implementação da Lei nº 13.935/19, que prevê a presença de assistentes sociais e psicólogos/as na Educação Básica como forma de ampliar sua constituição como um direito de todos/as!

CRESS-SP: Como avalia o impacto da pandemia no Ensino Superior?

Ana Léa Martins Lobo, assistente social, docente universitária e membro da Direção Estadual do CRESS-SP.

Ana Léa Martins Lobo: O Ensino Superior já vinha num processo de precarização muito grande, de mercantilização da educação muito grande, que, com a pandemia, intensifica-se de uma forma imensurável. A gente tem a flexibilização das aulas, do conteúdo, e isso traz um impacto muito grande no processo formativo.

Aquelas instituições que ofertavam os cursos presenciais ainda seguiam um parâmetro de educação, que já era fragilizado, mercantilizado, mas que se intensifica porque a gente tem uma flexibilização no ensino a partir da instituição do ensino a distância dentro do ensino presencial. Então, para o Ensino Superior brasileiro, a pandemia da COVID-19 traz impactos drásticos no processo de formação de todos/as os/as estudantes de graduação.

CRESS-SP: Como as adequações propostas e/ou colocadas em prática para a continuidade das atividades de ensino afetam o acesso à educação superior?

Ana Léa: O Governo Federal, por meio do MEC, lançou algumas orientações com relação ao Ensino Superior, e uma das primeiras portarias lançadas foi a flexibilização do ensino presencial, a partir do momento em que este pode, então, adequar-se para que todo o curso seja ofertado na modalidade a distância. Essas adequações são muito ruins porque pegam os cursos despreparados.

Principalmente no ensino privado presencial, a gente tem um processo muito grande de mercantilização da educação, a educação vista só como uma mercadoria, algo que vai trazer lucro para as instituições. E com as orientações do MEC e de outros organismos educacionais, você tem um processo de flexibilização dessa educação, o que vai impactar diretamente na precarização da formação superior no Brasil. Você tem, agora, um processo integralmente virtual, em que a relação aluno/a e professor/a se distancia muito, e, somado a isso, a gente tem o fato de que a tecnologia ainda não é um bem acessado por todos/as.

O/A aluno/a que escolhe o ensino presencial já o escolhe porque tem dificuldades de acessar tecnologias. Essas mudanças instituídas colocam que se esse/a aluno/a não tem acesso à tecnologia, ele/a não vai acessar a educação. São mudanças sectárias, porque não promovem a igualdade de acesso à informação, à educação. Acesso, é óbvio, muito limitado, porque feito a partir de vídeos, de videoaulas com tempos reduzidos.

Você tem uma formação muito fragilizada, porque os cursos presenciais tiveram que rapidamente adaptar todo o seu processo formativo a plataformas digitais, em conteúdos de forma acelerada, para alunos/as que, ao mesmo tempo, não conseguem acessar esses conteúdos. Você tem uma padronização. É um ensino que não olha para as individualidades.

 

CRESS-SP: Que aspectos positivos e negativos destacaria no modelo EAD (Educação a Distância), especialmente no contexto da pandemia?

Francilene Gomes Fernandes: É bem importante fazermos uma distinção: não podemos dizer que este ensino que está sendo ofertado agora, tanto pelo ensino público como pelo privado, seja o ensino EAD. O ensino EAD está regulamentado na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 96, existe toda uma regulamentação para ele, existe uma estrutura necessária para que ele seja ofertado. Isso é totalmente diferente deste ensino remoto que na pandemia está sendo ofertado. O ensino remoto é um ‘arranjo’, um ‘jeitinho’, uma coisa que foi pensada de uma hora para a outra para dar conta de não deixar os/as alunos/as sem os conteúdos. Só que a forma de ofertar esse ensino remoto também traz uma questão de classe, porque a forma, o conteúdo e a qualidade dependem se isso está sendo ofertado no ensino público ou no privado. Então, eu não conseguiria falar em aspectos positivos, mas muito mais em negativos.

Francilene Gomes Fernandes, assistente social, professora universitária e Vice-Presidenta do CRESS-SP.

A nossa opinião enquanto CRESS, que é a mesma que acompanha o CFESS (Conselho Federal de Serviço Social) e as entidades, principalmente as que cuidam dessa parte da formação, como a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) e a ENESSO (Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social), é a de que esse formato que estamos vivendo agora não é EAD. É um ensino remoto, absolutamente doméstico. As instituições não deram aos/às professores/as condições para esse ensino remoto, muitos/as não tinham aproximação com essas tecnologias de informação. Tudo isso está reverberando nos conteúdos, nas limitações de acesso, no cansaço ostensivo frente a uma jornada de trabalho que agora não tem mais fim… É um momento, como docente, eu diria que terrível do ponto de vista do ensino que defendemos, da educação que defendemos, uma educação emancipadora, que não seja “meramente bancária”, como diria Paulo Freire.

CRESS-SP: Como fica o contexto da formação superior no campo do Serviço Social?

Francilene: É um momento de muita preocupação para o Ensino Superior brasileiro em Serviço Social, quando nós, agora, temos três formatos de ensino. O presencial, que já era muito precarizado, e que, no meu ponto de vista, nós, enquanto categoria, deixamos um pouco de lado, preocupados/as com o avanço do EAD. Não investimos o nosso empenho em cuidar da formação presencial, porque despendemos energia no enfrentamento ao EAD. Temos o EAD, como esse “monstro” que se tornou, que forma muito mais alunos/as do que o presencial, e, agora, o ensino remoto, que são as aulas on-line, nesse modelo arranjado na pandemia, e que, no meu ponto de vista, é a “pá de cal” no ensino presencial.

É um cenário desolador, que vai exigir de nós, entidades e Conselho, muita articulação com ABEPSS, ENESSO e outros atores sociais do Brasil.

É um momento, como docente, eu diria que terrível do ponto de vista do ensino que defendemos, da educação que defendemos, uma educação emancipadora, que não seja ‘meramente bancária — Francilene Gomes Fernandes, Vice-Presidenta do CRESS-SP

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